O Blog da LBI publica em primeira mão a carta de ruptura de Ivan Pinheiro com o PCBR pela importância política do documento em questão. O texto que reproduzimos abaixo confirma plenamente os prognósticos que fizemos desde a fundação do PCBR, uma organização reformista que se formou unindo carreiristas como Jones Manoel e velhos dirigentes que saíram do PCB, cuja heterogeneidade programática e limitações políticas chegaram ao atual desfexo do seu principal quadro histórico, ex-Secretário-Geral do antigo “Partidão”, pedir agora seu desligamento publicamente denunciando o oportunismo político de Jones e a completa ausência de centralismo democrático aliado a um eleitoralismo vulgar.
CARTA DE AFASTAMENTO ORGÂNICO DO PCBR*
Ivan Pinheiro
Camaradas,
Há quatro meses atrás, dirigi ao CC (Comitê Central) do PCBR uma carta reservada formalizando meu afastamento do referido órgão dirigente do partido, em que expus as principais razões que me levaram àquela decisão. Até hoje não recebi qualquer retorno, seja da sua CPN (Comissão Política Nacional) ou de alguma Secretaria, ainda que apenas acusando o recebimento da carta. Desta vez, não por essa razão, mas analisando alguns fatos novos, sinto muito comunicar o meu afastamento do próprio partido.
Trata-se de uma decisão política individual, sem qualquer sectarismo, e respeitosa com os camaradas que seguirão construindo um partido que, uma vez superando seus impasses e limitações, pode vir a fazer jus ao nome completo que ostenta, desde que leve à prática as corretas decisões políticas de seu Congresso fundante, entre as quais destaco a oposição por princípio aos governos burgueses de conciliação de classes, a definição pela estratégia socialista da revolução brasileira e a sua localização no campo revolucionário do MCI (Movimento Comunista Internacional), além do respeito aos princípios leninistas de sua organização.
Entre as razões do meu afastamento gradual, destaco aquele que considero o principal equívoco do chamado XVII Congresso (Extraordinário) do PCB, concluído em 2 de junho de 2024, cuja denominação defendi à época de sua convocação, mas que, a meu juízo, perdeu sentido pelo fato de nele ter sido decidida a fundação de um novo partido, já se anunciando revolucionário, a menos de um ano da publicação de um Manifesto, em 3 de agosto de 2023, que propunha a criação de um “Movimento Nacional em Defesa da Reconstrução Revolucionária do PCB”, com a sigla PCB-RR, disposto a reivindicar, com ressalvas, o legado do Partido Comunista Brasileiro e abrir o diálogo e a unidade de ação com outros militantes e organizações revolucionárias. Dizia o Manifesto:
“Colocamo-nos a tarefa de superar o espírito sectário do pecebismo e de estabelecer a mais firme unidade de ação entre todos os comunistas revolucionários organizados para além da legenda do PCB – independentemente de tamanho e registro no TSE – organizações que hoje o PCB trata com menosprezo e distanciamento. A despeito de divergências existentes, não se pode falar a sério de uma frente anticapitalista e anti-imperialista no Brasil de hoje sem o diálogo e a unidade de ação consequente entre todas as forças comunistas de fato, não apenas em palavras.
Nosso compromisso é com a Revolução Socialista em nosso país e no mundo, e com a construção do instrumento político capaz de levá-la a cabo. E hoje, afirmamos sem hesitação, nem a atual direção do PCB, nem nosso próprio movimento em defesa da Reconstrução Revolucionária do PCB, estamos à altura dessa tarefa”.
Estou convencido de que as decisões de fundar esse novo partido, proclamá-lo revolucionário e anunciar a intenção de registrá-lo no TSE arrefeceram o interesse anteriormente manifestado por outras forças e outros militantes, com ou sem partido, em dialogar e trabalhar em unidade de ação conosco, provavelmente até camaradas que, à época, ficaram constrangidos no PCB! Percebo claramente o desânimo em meus contatos com diversos camaradas que viam no PCB-RR uma possibilidade de retomar sua militância e o flagrante afastamento do PCBR em relação às organizações com vocação revolucionária com as quais tivemos diversas bilaterais antes do Congresso, hoje também tratadas pelo partido “com menosprezo e distanciamento”.
Nestas linhas, quando vier a tratar de algumas questões políticas e orgânicas, procurarei abordar o que me parece atualmente uma tendência da política de alianças do novo partido, no sentido de uma frente de esquerda “radical”, em detrimento da frente anticapitalista e anti-imperialista decidida pelo seu Congresso. Aliás, certamente o que inspirou os formuladores da proposta da sigla PCBR foi sua intenção de afastá-lo na prática das organizações que nos procuravam para dialogar, exatamente porque elas não defendem etapas intermediárias nacional-democráticas no caminho da Revolução Socialista.
Meu desconforto com a decisão de criação do novo partido não foi apenas com seu resultado político, mas pela forma rápida, pouco debatida e de certa forma irresponsável como foi aprovada no Congresso, sem que houvesse qualquer razão que impedisse mais debate, mais reflexão, mais tempo para dialogar e decidir. Afinal, tratava-se de uma decisão muito importante e provavelmente irreversível, por se tratar do “nome de batismo” de um partido. A proposta PCBR venceu por uma diferença mínima em relação à segunda colocada (PCB-RR), sem obter maioria simples e sem a abertura de nova rodada de intervenções para um segundo turno entre as duas propostas mais votadas.
Não posso afirmar que em um segundo turno venceria a proposta PCB-RR. Com uma maioria esmagadora de jovens delegados – recém egressos da UJC – era natural que fosse mais atraente já criar ali um novo partido, para chamar de “nosso”, ainda mais se declarando revolucionário, do que um “partido movimento” que não se assumisse fundado, mas em reconstrução revolucionária. Mas pelo menos teria sido uma decisão majoritária, bem debatida e, portanto, com mais convicção e legitimidade.
Desde a conclusão do Congresso, afastei-me gradualmente do cotidiano do trabalho partidário. Meu problema principal não eram as siglas e os nomes em si, mas a leitura diferenciada que gerariam. Além dessas consequências, causou-me desconforto a escolha de uma sigla histórica – em que pontificaram revolucionários como Mário Alves, Apolônio de Carvalho e Jacob Gorender – cujo espólio político é até hoje reivindicado por camaradas da minha geração. É o mesmo constrangimento que geraria o fato de uma nova organização declarar-se ALN, MR-8, VPR ou outra sigla histórica do movimento comunista brasileiro!
O meu desânimo tem a ver com mais uma derrota de uma convicção que tenho desde muito antes de assumir a Secretaria Geral do PCB, que exerci entre 2005 e 2016. Eu diria que, desde o racha com os liquidacionistas, em 1992, estou convencido de que, no caso do nosso país, por conta da hegemonia reformista e de uma diáspora no movimento comunista, sobretudo entre organizações marxistas-leninistas de fato, portanto com vocação revolucionária, dificilmente uma única delas será capaz de dirigir e levar a efeito a Revolução Socialista, a menos que seja aquela que venha a se tornar o estuário de um processo franco e respeitoso de debates e de unidade de ação, através de uma frente revolucionária, sem qualquer tipo de “patriotismo partidário”.
O curioso é que a opção pela denominação PCBR, que me surpreendeu quando apresentada, contrariou frontalmente uma decisão do próprio Congresso, aprovada consensualmente mais cedo, na manhã do mesmo sábado. Refiro-me ao parágrafo 11 das resoluções sobre Organização, cuja argumentação era exatamente para defender a denominação PCB-RR, proposta pelas Teses, como se vê abaixo:
“Isso significa reconhecer, portanto, sem qualquer autoproclamação sectária, que estamos longe de ser o partido revolucionário de vanguarda do proletariado que desejamos construir em nosso país. Apenas assim poderemos conduzir nosso trabalho de organização e educação revolucionária das massas trabalhadoras na direção da criação de uma ferramenta organizativa que, armada teoricamente com a teoria marxista-leninista, esteja à altura das colossais potencialidades e missões históricas do proletariado brasileiro”.
Mas esse não foi o único motivo da perda gradual de minhas expectativas em relação ao futuro do PCBR. Nas muitas polêmicas de que participei no seu CC, reiterei algumas preocupações que já manifestara em minhas duas Tribunas ao chamado XVII Congresso Extraordinário do PCB e, mais recentemente, vinha concentrando minhas críticas em algumas posturas do CC e da CPN que, no meu entendimento, podem sinalizar um provável giro reformista na sua linha política e um preocupante desrespeito aos princípios que regem a organização de um Partido Comunista.
Um desses sintomas foi o exagero na valorização das recentes eleições municipais do ano passado, numa conjuntura em que era óbvio que elas seriam as mais inexpressivas, despolitizadas e menos importantes dos últimos tempos, do ponto de vista da luta de classes. O entusiasmo do PCBR e a superestimação da sua força política foram de tal ordem, a ponto de exatamente o número de lançamento do seu jornal mensal O FUTURO (título que sinaliza o futuro socialista!), publicado alguns meses antes das eleições, ao invés de privilegiar na capa a notícia sobre o surgimento do partido e a apresentação de seus princípios e objetivos revolucionários, dedicou toda a sua primeira página às eleições, com a manchete “O que esperam os comunistas desta eleição?”, que certamente alguns leitores identificados com o partido devem ter imaginado o resumo da resposta que viria no editorial: quase nada!
No entanto, três das oito páginas desta primeira edição do jornal foram dedicadas àquelas eleições, incluindo a publicação na íntegra da chamada “Plataforma Municipal do PCBR”, que incluía propostas que só poderão ser conquistadas através de revolução. Apesar de até hoje não conhecer a lista completa de nossos apoios no primeiro turno, nem seus resultados na eleição e nas relações políticas construídas, percebo que foram apoiados muitas dezenas de candidatos, muitos deles provavelmente por critérios mais pragmáticos que políticos, até porque uma semana após o CC decidir que o partido só poderia apoiar candidatos de 4 partidos (PSOL, PCB, PSTU e UP), esse número cresceu para 8, com a inclusão absurda, em relação às resoluções congressuais, de PT, PCdoB, PSB e PDT, por decisão da CPN, homologada após o prazo de 24 horas que concedeu aos demais membros do CC para opinarem a respeito, durante o qual reinou um silêncio profundo! No meu caso, só percebi a inclusão alguns dias depois.
Mas o que mais contribuiu para a decisão pessoal que aqui anuncio foi a naturalização de um centralismo seletivo, portanto antidemocrático, em que intocáveis militantes influenciadores têm total liberdade para expressar publicamente suas opiniões contrárias às posições coletivas. Essa foi a mais dura e inglória das lutas que travei e perdi em minha militância, diante do silêncio da maioria esmagadora dos membros do CC, incluindo seus principais dirigentes!
O argumento principal dos que defendem em tese a liberdade de divergência pública em um partido centralizado é uma falácia. Usam citações de Lenin para manipulá-las! Nos tempos de Lenin, a imprensa partidária era basicamente o jornal impresso. As polêmicas entre camaradas eram conhecidas apenas por quem os recebia em mãos, um público alvo restrito, basicamente de militantes, recrutandos e aqueles que o recebiam como abordagem para futura aproximação. Não havia sequer a possibilidade de sua reprodução através de cópias. Era o tempo da tipografia artesanal; hoje, o da inteligência artificial, em que o alcance público de cada militante é infinitamente diferenciado, inclusive em relação à sua adaptação às redes sociais e ao mundo digital em geral, uma vantagem para as novas gerações.
Constrange-me, na altura dos meus 60 anos de militância comunista – sem nunca deixar de expor minhas opiniões, sempre respeitando (muitas vezes a contragosto!) o princípio do centralismo democrático e exigindo de terceiros o seu cumprimento – continuar membro de um partido cuja direção concede, na prática, licença a alguns de seus membros, sobretudo ao mais famoso e influente, o camarada Jones Manoel, para divergir publicamente das posições coletivas.
O mais grave e contraditório é que o fator principal da cisão do PCB, em meados de 2023 – que deu origem ao Movimento Nacional em Defesa do PCB (PCB-RR) e depois ao PCBR – foi exatamente a crítica ferrenha um de parte importante do partido ao descumprimento do centralismo democrático pelos seus Secretários Geral e de Relações Internacionais, que traíram as resoluções do XVI Congresso (novembro de 2021) sobre o avanço do capitalismo na China e a era das disputas interimperialistas, conclusões que levaram à decisão, descumprida por ambos, de localizar o partido no campo revolucionário do MCI (Movimento Comunista Internacional).
A denúncia a esses dois dirigentes teve grande repercussão quando foi descoberto que, à revelia e sem conhecimento do partido e do próprio CC, eles participaram presencialmente, durante meses, em eventos em vários países, organizados por uma articulação internacional oportunista chamada PMAI.
Portanto, é bom lembrar: o Congresso que fundou o PCBR foi produto da luta em defesa do centralismo democrático! Centenas de militantes fomos expurgados do PCB, pelo seu núcleo duro, sem direito de defesa, por criticarmos os dois importantes dirigentes que desrespeitaram decisões congressuais e por tentarmos evitar a cisão, reivindicando a suspensão dos processos disciplinares, a abertura de uma Tribuna de Debates interna e a convocação do XVII Congresso (Extraordinário) do PCB, para arbitrar democraticamente as divergências.
Nos debates na direção do PCBR, reiterei várias críticas em relação a declarações e atitudes públicas de Jones Manoel, mas deixei claro que “a crítica principal deve ser feita à direção nacional do partido”, principalmente aos membros da CPN, que operam o partido entre uma e outra reunião do CC, por omissão, pusilanimidade e oportunismo político diante do enorme prestígio público desse camarada, mercê de seu inegável talento, o que fez com que ele se sentisse naturalmente cada vez mais à vontade para escancarar e escalar publicamente suas divergências com o partido. Creio que uma das razões dessa conciliação é a ansiedade pequeno-burguesa de privilegiar a quantidade de recrutamentos, em sua maioria atraídos pelo prestígio de influenciadores, em detrimento da qualidade política e da presença ativa do partido no ambiente proletário.
A direção nacional do PCBR faz vistas grossas a várias resoluções do Congresso que o fundou, entre as quais destaco os seguintes parágrafos do capítulo sobre Organização:
“O centralismo democrático é o princípio basilar de organização de um partido comunista, marxista-leninista, para construir a revolução socialista… O indivíduo se subordina ao grupo, a minoria se subordina à maioria, os órgãos inferiores se subordinam aos órgãos superiores, todos os órgãos se subordinam ao Comitê Central, e o Comitê Central se subordina ao Congresso”.
“Aos militantes que já têm destaque político individual dentro das redes sociais, esses devem ter seus conteúdos submetidos ao Partido, de modo a intensificar e centralizar nossas ações. Além disso, deve-se centralizar e sistematizar os acúmulos já existentes de ocupação do espaço virtual para o fomento de novos comunicadores e propagandistas virtuais orgânicos do Partido… Por outro lado, é preciso confrontar as tendências espontâneas à displicência, à arrogância e ao individualismo que surgem nesses meios: a militância comunista precisa combater a inconsequência e o liberalismo recorrentes no uso de tais formas de comunicação de massas”.
Focado no crescimento do número de seus seguidores no Youtube e provavelmente também nos projetos eleitorais várias vezes anunciados em seus vídeos, Jones resolve radicalizar sua liberdade de expor opiniões contrárias às do PCBR. Por decisão pessoal, sem consulta prévia ao partido, no final do ano passado ele anuncia a criação de um outro canal seu no Youtube (Manhã Brasil) e a contratação de um jornalista profissional para abrir os programas e conduzir as entrevistas. Sua escolha recaiu sobre Mauro Lopes, um experiente e habilidoso jornalista de esquerda, sem vínculo partidário. Antes do primeiro programa, Jones fez um vídeo no Youtube deixando claro que seu novo canal não teria orientação comunista, mas sim de “esquerda”.
Em grave desrespeito público ao PCBR, o primeiro programa do Manhã Brasil, em 13 de janeiro deste ano, significativamente teve como entrevistado especial um qualificado quadro do CC do PCdoB, Elias Jabour, a meu ver o mais competente defensor do caráter “antiimperialista” do chamado “socialismo de mercado” chinês e dos BRICS, posições radicalmente opostas às do PCBR. O próprio jornalista, ao apresentar o entrevistado, deixou claro que a decisão do convite tinha sido do Jones, que inclusive apareceu em meio ao programa para deixar isso claro, saudando-o e informando que provavelmente irá à China em breve, sem fazer qualquer contraponto às opiniões expostas pelo entrevistado, até porque coincide com elas, de forma hábil e inteligente, em suas próprias “lives” no Youtube, aproximando-se cada vez mais das posições do PCdoB nas questões internacionais e, o que é mais surpreendente, até mesmo dos dirigentes do PCB que levaram à cisão que resultou no surgimento do PCBR!
Em resumo, o novo canal Manhã Brasil já começou com um recado humilhante ao PCBR, para deixar claro quem manda em sua programação e que campo político seu criador e diretor quer protagonizar. Para se ter ideia, reproduzo algumas resoluções do Congresso fundador do PCBR sobre o imperialismo contemporâneo e a China.
“É um grave erro acreditar que apenas o bloco da OTAN deva ser caracterizado como imperialista (resultado de uma errônea compreensão do imperialismo como um fenômeno puramente político-militar, ignorando sua dimensão econômica à escala planetária) e desconsiderar as grandes mudanças que se deram na correlação de forças econômicas e militares mundiais, com a intensificação das contradições ao longo da cadeia imperialista, a desagregação da influência estadunidense, vertiginoso avanço do capitalismo na China e o papel econômico-militar que a burguesia russa tem cumprido regionalmente”.
“Diante da possibilidade de uma futura guerra mundial interimperialista, o Partido não pode vacilar: erguemos a bandeira da transformação da guerra capitalista entre os povos em guerra civil revolucionária do proletariado de cada país contra sua própria burguesia, no rumo de uma revolução proletária internacional que possa, enterrando o modo de produção capitalista em seu estágio imperialista, realizar um mundo de paz e solidariedade entre os trabalhadores e as trabalhadoras de todo o mundo”.
“É nesse sentido que, apesar do caráter incompleto da restauração capitalista no país e da coexistência desse modo de produção com formas produtivas públicas e estatais, a China hoje ocupa indubitavelmente um lugar destacado na cadeia imperialista global, em disputa contra o bloco EUA–UE, que passou a ser hegemônico no final do século XX e começo do XXI. Se mesmo antes dos anos 70 a República Popular da China deixava muito a desejar em termos de seu internacionalismo proletário, hoje seus interesses estatais internacionais são os da burguesia chinesa, de disputa contra as demais potências imperialistas por matérias-primas, força de trabalho e investimentos em outros países”.
Na semana passada, o camarada Jones naturalizou de vez a licença tácita que recebeu da direção de seu partido para divergir publicamente. Em uma edição do seu canal Manhã Brasil, o mesmo dirigente nacional do PCdoB que o inaugurou foi novamente o seu principal protagonista, reiterando à vontade as posições do seu partido, durante uma hora, ao passo que o primeiro dirigente nacional do PCBR entrevistado no canal, no mês passado, teve exatos 14 minutos para apresentar uma edição do jornal O Futuro e discorrer sobre as principais atividades políticas do partido.
O mais grave é que, apesar de tudo, o nosso principal influenciador continua cada vez mais percebido publicamente como “o porta voz oficial do PCBR”, um constrangimento político que influenciou fortemente a decisão que anuncio nesta carta.
A escolha dos entrevistados desse canal deixa claro o objetivo de formação de um campo político à esquerda dos setores majoritários do PSOL e até do PT, o que não deixa de ser positivo como um contraponto crítico à submissão do governo Lula aos interesses da burguesia e por contribuir para algumas lutas populares por reivindicações importantes, embora esse campo aposte mais em conselhos a Lula do que em agitar e organizar a mobilização das massas.
Entretanto, prevalecem nesse campo ilusões de superar (na verdade mitigar) as injustiças sociais e a exploração do trabalho pelo capital através dos meios institucionais da democracia burguesa, propondo reformas progressistas no sistema capitalista e semeando ilusões sobre a possibilidade de um mundo multipolar que leve à paz entre os povos, a despeito da evidente radicalização das contradições interimperialistas e dos focos de guerras em várias regiões do planeta.
Apesar de não assistir toda a programação desse novo canal, creio que por lá já passaram muitas dezenas de entrevistados, sempre apresentados como de esquerda, em sua maioria progressistas e reformistas, numa interação em que todos ganham, em prestígio e seguidores, tanto os que dirigem o programa como os convidados, sobretudo os que têm mais prestígio social. A julgar pela política eleitoral de 2024 e as recentes aproximações com correntes do PSOL e até personalidades do PT que questionam o lulismo acrítico dos setores majoritários desses partidos, resta saber se tem apenas natureza conciliatória o silêncio da direção nacional do PCBR em relação a estes evidentes esforços para a formação de uma frente de esquerda, em detrimento da frente anticapitalista e antiimperialista revolucionária anunciada por seu Congresso.
Além do seu novo canal no Youtube (Manhã Brasil), Jones criou recentemente um jornal digital semanal próprio (Boletim de Notícias Jones Manoel) com seus artigos e editoriais, venda de livros de sua autoria e captação própria de doações financeiras. Como canal pessoal e independente, o Boletim não divulga o jornal oficial do seu partido (O Futuro) nem o importante catálogo da LavraPalavra, editora criada e administrada por um dos mais importantes quadros do PCBR, cujo principal êxito editorial é exatamente o livro “O centralismo democrático de Lenin: a luta pela organização revolucionária”!
Concluo esta carta lamentando minha falta de estímulo e confiança para seguir lutando no PCBR em defesa dos meus princípios, mas consciente de que foi uma decisão pessoal acertada que pode suscitar reflexões e debates. Dentro dos meus limites, continuarei solidário a iniciativas que coincidam com minhas convicções políticas e ideológicas e favoreçam o debate de ideias e a unidade de ação do campo revolucionário do movimento comunista nacional e internacional.
Como sempre, a prática será o critério da verdade!
Guapimirim (RJ), 11.03.2025
Ivan Pinheiro